quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Valdir Higino - Entrevista do Blog Carvão Vermelho

(Jornalista - Cadeirante - Fundador da Comunidade Abdim)

Carvão Vermelho: Cerca de 2 milhões de pessoas portadoras de algum tipo de
deficiência vivem hoje na Região Metropolitana de São Paulo, como é conviver diariamente com essas dificuldades que vão desde conseguir estudar e trabalhar até simplesmente tomar um ônibus ou metrô?


Valdir Higino: Se para as pessoas que "andam" o transporte publico não oferece a mínima comodidade, imagine para um usuário de cadeira de rodas. As únicas alternativas são as vans adaptadas das prefeituras, na cidade de São Paulo denominadas “Atende” e alguns táxis adaptados estão se tornando uma forma de acesso ao trabalho e ao estudo mas por causa da demanda e do custo infelizmente ainda não atingem a maioria da população portadora de deficiência.


Carvão Vermelho: Como é ser deficiente num país em que o povo não é lá muito educado e principalmente aqui em São Paulo, pelo stress de chegar primeiro, o paulistano vive disputando algo com alguém que nem ele sabe o que é?


Valdir Higino: Confesso que já me senti um ET quando tive que sair ás ruas, as pessoas nos olham como se fossemos um móvel, uma tv ou geladeira que saiu pra passear tal o espanto que alguém numa cadeira de rodas transitando num ambiente urbano provoca. Acho que para mudar isso é preciso que mais pessoas saiam com suas cadeiras e disputem espaços, a convivência em parques, shoppings, praias só pra citar alguns exemplos é que vai mudar essa maneira distorcida de nos verem e passarão mais a nos respeitar enquanto cidadãos pagadores de impostos.


Carvão Vermelho: A frase “A falta de educação é a maior deficiência” pode ser um slogan ou deve ser panfletada e colocada nos pára-brisas de veículos que desrespeitam as vagas preferenciais?


Valdir Higino: A questão das vagas preferenciais tem tudo a ver com absoluta falta de educação ou com o tradicional “jeitinho” brasileiro, já ouvi muita gente que foi abordada usando uma dessas vagas dizendo: Eu só parei aqui um minuto porque tinha que resolver algo urgente, sendo que comprovadamente por câmeras de televisão estavam ali há horas. Uma panfletagem caberia nesse caso.

Carvão Vermelho: Você acredita que os idosos confundem vagas de deficiente físico com vagas para idosos, porque as primeiras geralmente ficam mais próximas dos acessos?


Valdir Higino: Acredito que alguns sim e esses podem não agir de má fé, afinal a idade traz sempre alguma falta de mobilidade e nesses casos pode haver tolerância.

Carvão Vermelho: Fale sobre a Abdim e sobre as dificuldades de atendimentos das pessoas que não preenchem o perfil exigido, ou seja, quem tem um padrão de vida melhor não é atendido, porém não existe outro lugar para tanto?


Valdir Higino: A Abdim nesses últimos anos vem tentando ser um centro de referencia no tratamento da Distrofia Muscular. É claro que ainda falta muita coisa, mas pelo o que eu posso acompanhar os profissionais de lá estão em constante intercambio e participando de muitos congressos, internacionais inclusive. A questão das pessoas com maior poder aquisitivo não ser atendidos de forma direta, entendo que a solução seria a Abdim também se tornar um centro de aconselhamento e capacitação profissional para as pessoas que possam pagar um tratamento particular venham a contratar uma equipe multidisciplinar.


Carvão Vermelho: Apesar dos grandes avanços no setor, com a criação de uma legislação específica para os portadores de deficiências, ainda falta muito para que uma pessoa portadora de deficiência física possa viver com dignidade não é?

Valdir Higino: Ah sem duvida. Eu costumo sempre dizer que fazer leis é a coisa mais fácil do mundo, o difícil é fazer se cumpri-las.


Carvão Vermelho: Investir na inclusão social de deficientes físicos é garantir três coisas: a acessibilidade (ou seja, que as cidades não sejam obstáculos para a locomoção dessas pessoas), o direito à educação e o direito ao emprego, é só isso?


Valdir Higino: Não. Esses são direitos básicos de qualquer ser humano. O que queremos acima de tudo em primeiro lugar é respeito e depois a oportunidade de mostrarmos que somos capazes de desempenhar qualquer atividade em pé de igualdade com qualquer um, só queremos que nos dêem condições para tanto é só isso.


Carvão Vermelho: O problema é que existe na sociedade uma mentalidade assistencialista e paternalista, que trata o deficiente como 'coitadinho' quando, na verdade, trata-se muito mais de procurar dar oportunidades iguais para todos, você se sente como tal?


Valdir Higino: Não me sinto e deve partir de nós mesmos uma postura pra que mudem esse conceito. Chega desse negocio que uma cadeira de rodas só serve pra provocar pena, para mim ela é hoje em dia nada mais que um acessório e se eu puder transformá-la numa moto, porque não?


Carvão Vermelho: O Artigo 93 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, estabelece que as empresas com mais de 100 funcionários devem preencher entre 2% e 5% de seus quadros com profissionais portadores de deficiência. As empresas segregam o deficiente em oficinas especiais ou preferem fazer doações para instituições de caridade que mantêm essas oficinas a contratar deficientes, isso também é uma questão de cultura?


Valdir Higino: Sou radicalmente contra lei de quotas, seja ela de que categoria for, isso dá uma idéia de obrigatoriedade, só vão contratar porque tem medo da multa e queremos que nos contratem pela capacidade profissional e intelectual, acho que fazer uma rampa e adaptar um banheiro pode sair mais barato que qualquer doação.


Carvão Vermelho: A questão da deficiência física em São Paulo e no País todo tem de passar pelo interesse em se cumprir a legislação, garantindo o direito ao acesso a empregos e educação e pelo combate à violência urbana. A maioria das pessoas que se tornam deficientes são vítimas de acidentes automobilísticos ou de balas perdidas, acredita na responsabilidade por inércia dos políticos?


Valdir Higino: Acredito piamente afinal quem vive nas grandes cidades do Brasil hoje tem a sensação de acordar todo dia em meio a uma guerra civil. A questão da segurança publica parece que fugiu do controle e o que se discute é somente o aumento de verba, soluções mais drásticas se fazem urgente. O transito é outra piada de mau gosto, só pra citar um exemplo tivemos o inicio da lei seca coberta com grande estardalhaço pelos meios de comunicação e hoje a fiscalização evaporou como álcool e o índice de acidentes voltou a aumentar.


Carvão Vermelho: Você também acredita que num país onde o presidente da Republica diz que estudar não é tão importante, que fica ainda mais difícil a adaptação das escolas para os deficientes em geral?


Valdir Higino: A adaptação tem que haver sempre, independente de declarações ou não pois os políticos passam, precisamos é estar mais atentos em quem votamos, desde o vereador de bairro até o presidente e depois acompanhar e cobrar suas atitudes.

Carvão Vermelho: Células Tronco é uma esperança?


Valdir Higino: Quando o projeto de lei da biossegurança foi aprovado em 2005 eu era um dos deficientes que festejaram na porta do Congresso Nacional e saí de lá convicto de que uma luz no fim do túnel havia de fato aparecido. Depois vieram os embates com a Igreja Católica e tudo teve que ser decidido 2 nos depois no Supremo Tribunal Federal. Agora é esperar o resultado das pesquisas encabeçadas por ninguém menos que a Dra. Mayana Zats, uma sumidade no que diz respeito a manipulação genética. A sorte está lançada!


Carvão Vermelho: Fale de sua vida, seus sonhos, seus anseios, seus medos?


Valdir Higino: O fato que mais marcou minha historia de vida foi quando aos 8 anos com um diagnostico de distrofia muscular os médicos chamarem meus pais num canto e decretarem fria e cruelmente que eu não teria mais muitos anos de vida. Então só me restavam 2 alternativas, ou acreditar na medicina ou acreditar em mim, eu optei pela segunda e aos 44 anos não me arrependo até hoje. Tenho muitos sonhos e planos, os mais urgentes são terminar meus estudos, constituir família, trabalhar enfim e meu maior medo é que o país que tanto amamos feche os olhos para uma população de milhões de deficientes que só esperam oportunidades.

Aproveito pra agradecer pela chance e pelo espaço.


Um grande abraço a todos!







Um comentário:

  1. Grande Valdir! Você conseguiu trazer aos leitores do Blog a essência daquilo que permeia as dificuldades de todos os cadeirantes do Brasil, quiçá, suas palavras, bem colocadas - diga-se de passagem - ajude a abrir os olhos daqueles que nós, acreditamos ainda, sejam os que decidirão a vida de muitos. Um grande Abraço e Obrigado.

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